Luiz Augusto Passos
Chega a nós o anúncio da morte da Irmã Dineva Vanuzzi, 73. Irmã Dineva nascida em Selbach, no Rio Grande do Sul, entrou na Congregração das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, e, fiel à sua fundadora, não foi indiferente a nenhuma luta que valesse a pena em favor dos pobres e oprimidos. Figura ímpar, cáustica e apaixonada, revolucionou sempre o seu tempo, e, por onde andou, estabeleceu um novo tipo de presença da vida religiosa feminina engajada nos movimentos sociais, em todas as dimensões da política, e as grandes causas do povo na perspectiva da Teologia da Libertação. Trabalhou em Rosário Oeste e regiões junto à educação escolar. Esteve no Araguaia junto à equipe Pastoral da Prelazia do São Felix sob a coordenação do Bispo D. Pedro Casaldáliga, que nutria imenso respeito e estima por Dineva. Veio para Cuiabá, de onde, no colégio das Irmazinhas, ao lado da Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito atuou como professora concursada na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), da qual era professora aposentada. Exerceu, durante o mandato em que Serys Slhessarenko era Secretária de Educação, a Coordenação do Fundo Estadual de Educação. Trabalhou durante anos na Secretaria Municipal de Educação.Teve importante contribuição na participação direta nas lutas sociais, com vínculo especial à luta do Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra. Formou uma equipe de voluntários que tinham presença marcante na pastoral da Igreja do Rosário, Arivonil que deixou saudades; Lourenço Fernandes, Jesuíta Padre José Ten Cate e Maria Benvinda todos já falecidos, eram, com Dineva, alma do apoio ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Dineva esteve à frente do Movimento de Educação Popular Integral Fé e Alegria, e construiu, com apoio de sua congregação, no seu espaço de residência das irmãzinhas, um trabalho de horta comunitária e escolarização de crianças e adolescentes em frente à Rodoviária onde hoje, em Cuiabá, está o CENE, espaço de encontros da CNBB regional. Dineva era pessoa fiel na luta pela verdade e justiça. Muitas vezes teve sua vida ameaçada e perseguida de morte, na medida em que defendia qualquer pessoa que sofresse perseguição por parte dos poderosos e, de modo especial, quando a perseguição do Estado atingia crianças e jovens, e, muitos dos quais, foram desaparecidos pela ação da Secretaria de Segurança, atingindo o Movimento de Meninos e Meninas de Rua. Dineva assumira o papel ativo nas estratégias de luta do Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade e a todas as redes e movimentos sociais que tinham repercussão libertadora. Foi tão fiel a seus amigos, quanto foram aqueles que se tornaram adversários, dada a rapidez da palavra aliada à ação direta e atrevida; capacidade de denúncia permanente de toda opressão, que a fez pessoa indispensável por onde quer que tenha andado. Portadora de uma leucemia durante anos, sem ter contudo seus maus efeitos, não perdeu sua presença nos grandes eventos no Partido dos Trabalhadores no qual era filiada, no Sindicato (ADUFMAT) ao qual pertencia, presente nas articulações do Fórum Social Mundial. Justa homenagem lhe foi prestada, quando em 2008 foi impresso um livro no qual narra parte de suas lutas. Pessoa absolutamente de bem com a vida, feminista assumida, foi exemplar no que tange à sua autonomia, à vivência da laicidade da vida religiosa, à inserção nos meios sociais onde trabalhou. Não lhe faltaram criatividade para inventar formas de mobilização e denúncia - eficaz, por vezes até espalhafatosa-, imprescindível para a ocasião do cerceamento da injustiça pelo silêncio imposto. Disciplinada em passar noites sem dormir quando necessário, radicalidade que sempre a fez temida, e por isso inspira a todos nós, a amizade celebrada com alegria, o anúncio do evangelho da liberdade, a luta pela democracia e o humanismo com todas as suas consequências. Dineva dava imperssão de jamais ter pensamentos que não tivesse revelado! Maliciosa, astuta, todos sabiam muito bem, nos conflitos, de que lado Dineva estava! Temida por isso por seus adversários, sobretudo os Secretários de Segurança que utilizaram de violência sistemática contra a criança e adolescentes e o povo da rua. Sofria, com imensa generosidade, por isso, a intimidação permanente não divulgada dos carros sem placa que a seguiam na rua, violência por vezes, explícita e anunciada, por vezes, nos jornais por parte das autoridades constituídas. Atuou como educadora em grandes projetos de currrículo inovador, na perspectiva freireana. Tinha a doce e cruel "malícia das serpentes" que Jesus elogiara em todos aqueles que abandonavam o estado desprezível do equilíbrio insosso. Vi Dineva, pela última vez, quando foi dar seu voto à Dilma. Faleceu, dia 2 de novembro por volta do meio dia, não há de lhe faltar flores, que tanto gostava! Foi para Deus de alma lavada pela primeira mulher que a representaria também como presidenta do Brasil. Mencionava, quando a vi, a preocupação com uma igreja desfibrada, voltada para as sacristias, para o mundo intímista e a perda de fogo do arrojo que o Evangelho reclama e seu escândalo e tristeza com os movimentos reacionários que apoiavam em nome de Deus, um projeto antipopular. Sobrava-lhe a grandeza da humanidade e a combustão do Espírito que também a consumia, no mais charmoso e indispensável anarquismo. “O Reino dos céus sofre violência e só os violentos o arrebatam” (Mt 11,12) Dineva deve ter subido ao céu no turbilhão de fogo que levou Elias, que nos deixe pequena parte da força do seu espírito!
Cuiabá, 02 de novembro 2011.
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