Sonho que as crianças, do mundo todo, possam dormir quentinhas, com suas barriguinhas cheias, longe de toda e qualquer agressão física, sexual, moral ou intelectual e que todas possam usufruir das alegrias de uma infância linda e protegida. Sonho que tenham um futuro maravilhoso. Não só as crianças de hoje, mas também seus filhos, os filhos de seus filhos e também os filhos destes. Sonho com um planeta protegido, com medidas que eliminem a cobiça que destrói nosso porvir!

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A Lei de Anistia de 1979 vale para quem torturou? - Parte IV
3. Tortura em crianças, mulheres e gestantes

A tortura foi indiscriminadamente aplicada no Brasil, indiferente a idade, sexo ou situação moral, física e psicológica em que se encontravam as pessoas suspeitas de atividades subversivas. Não se tratava apenas de produzir, no corpo da vítima, uma dor que a fizesse entrar em conflito com o próprio espírito e pronunciar o discurso que, ao favorecer o desempenho do sistema repressivo, significasse sua sentença condenatória. Justificada pela urgência de se obter informações, a tortura visava imprimir à vítima a destruição moral pela ruptura dos limites emocionais que se assentam sobre relações efetivas de parentesco. Assim, crianças foram sacrificadas diante dos pais, mulheres grávidas tiveram seus filhos abortados, esposas sofreram para incriminar seus maridos.

Menores torturados

Ao depor como testemunha informante na Justiça Militar do Ceará, a camponesa Maria José de Souza Barros, de Japuara, contou, em 1973:

(...) e ainda levaram seu filho para o mato, judiaram com o mesmo, com a finalidade de dar conta de seu marido; que o menino se chamava Francisco de Souza Barros e tem a idade de nove anos; que a polícia levou o menino às cinco horas da tarde e somente voltou com ele às duas da madrugada mais ou menos; (...)

A professora Maria Madalena Prata Soares, 26 anos, esposa do estudante José Carlos Novaes da Mata Machado, morto pelos órgãos de segurança, narrou ao Conselho de Auditoria Militar de Minas Gerais, em 1973:

(...) que foi presa no dia 21.10.1973, juntamente com seu filho menor Eduardo, de 4 anos de idade; que o motivo da prisão era que a interroganda desse o paradeiro de seu esposo; que, durante 3 dias, em Belo Horizonte, foi pressionada (para dizer) onde estava José Carlos, da seguinte maneira: que, se não falasse, seu filho seria jogado do 2 andar, e isso durou 3 dias, (...); que na última noite que seu filho passou consigo, já estava bastante traumatizado, pois ele não conseguia entender porque estava preso e pedia para ela, interroganda, para não dormir, para ver a hora que o soldado viria buscá-los; (...) ele não consegue entender o motivo do desaparecimento meu e de José Carlos; que o menino está traumatizado, com sentimento de abandono; (...)

Ao depor no Rio, em 1969, declara o carpinteiro paranaense Milton Gaia Leite, 30 anos:

(...) foi preso com tentativa de estupro, inclusive os seus filhos e esposa, tendo os filhos de cinco anos e sete (sido) presos, não só no Paraná, e aqui (também); (...)

[...]

Na tentativa de fazerem falar o motorista César Augusto Teles, de 29 anos, e sua esposa, presos em São Paulo em 28 de dezembro de 1972, os agentes do DOI-CODI buscaram em casa os filhos menores deles e os levaram àquela dependência policial-militar, onde viram sues pais marcados pelas sevícias sofridas:

(...) Na tarde desse dia, por volta das 7 horas, foram trazidos sequestrados, também para a OBAN, meus dois filhos, Janaina de Almeida Teles, de 5 anos, e Edson Luiz de Almeida Teles, de 4 anos, quando fomos mostrados a eles com as vestes rasgadas, sujos, pálidos, cobertos de hematomas. (...) Sofremos ameaças por algumas horas de que nossos filhos seriam molestados. (...)

[...]

Mulheres torturadas

[...]

A engenheira Elsa Maria Pereira Lianza, de 25 anos, presa no Rio, narrou em seu depoimento, em 1977:

(...) que a interrogada foi submetida a choques elétricos em vários lugares do corpo, inclusive nos braços, nas pernas e na vagina; que o marido da interrogada teve oportunidade de presenciar essas cenas relacionadas com choques elétricos e os torturadores amplificavam os gritos da interrogada, para que os mesmos fossem ouvidos pelo seu marido; (...)

[...]

A bancária Inês Etienne Romeu, 29 anos, denunciou:

(...) A qualquer hora do dia ou da noite sofria agressões físicas e morais. "Márcio" invadia minha cela para "examinar" meu ânus e verificar se "Camarão" havia praticado sodomia comigo. Este mesmo "Márcio" obrigou-me a segurar o seu pênis, enquanto se contorcia obscenamente. Durante este período fui estuprada duas vezes por "Camarão" e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidade, os mais grosseiros. (...)

Violentada no cárcere, a estudante de Medicina Maria de Fátima Martins Pereira, 23 anos, contou, no Rio, ao Conselho de Justiça, em 1977:

(...) que, um dia, irromperam na "geladeira", ela supõe que cinco homens, que a obrigaram a deitar-se, cada um deles a segurando de braços e pernas abertas; que, enquanto isso, um outro tentava introduzir um objeto de madeira em seu órgão genital; (...)

[...]

Gravidez e abortos

[...]

Também no Recife, a mesma ameaça sofre a vendedora Helena Mota Quintela, de 28 anos, conforme denunciou, em 1972:

(...) que foi ameaçada de ter o seu filho "arrancado à ponta de faca"; (...)

[...]

(...) que a interrogada estava grávida de 2 meses e perdeu a criança na prisão, embora não tenha sido torturada, mas sofreu ameaças; (...)

[...]

(...) que, durante sua prisão em Minas, foi constatado que estava grávida e, em dia que não se recorda, abortou na OBAN; (...)


Fonte: Brasil: Nunca Mais. prefácio Dom Paulo Evaristo Arns, 13a. ed., Petrópolis, RJ, Vozes, 1986, pp. 43-50.

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