Alberto Perdigão – jornalista, editor do Blog da Dilma - aperdigao@terra.com.br
O câncer na tireoide detectado na presidenta da Argentina, Cristina Fernández Kirchner, noticiado nesta quarta feira (28), não lhe causará tantos estragos a sua saúde nem ao governo. Pelo menos se comparado ao tumor que abalou a saúde do colega da Venezuela, Hugo Chávez Frías, de que se diz curado. A primeira previsão é baseada na Medicina, que indica sobrevida superior a dez anos para 95% dos casos do gênero, segundo informou a BBC Brasil com dados do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos). A segunda previsão é sustentada pela comunicação pública, que indica amplidão, profundidade e fluidez nas informações referentes a governos e chefes de Estado.
É a comunicação pública, com sua missão de informar e manter canais de diálogo com a sociedade e o mercado, um excelente antídoto contra rumores que, depois de surgirem e se propagam de forma virulenta e pouco controlável na esfera pública - seja ela real, das arenas físicas como a praça e cafés; seja ela midiatizada pelos meios de comunicação de massa ou, como se vê mais recentemente, virtual. Neste novíssimo espaço de disputa de sentidos, o ciberespaço, a conectividade é maior e mais íntima que na esfera pública tradicional, e a produção e a profusão da informação são mais intensas que na comunicação de massa.
Tive acesso ao documento Internet y el Laboratório del Rumor en los Medios Venezolanos (Caracas: Ediciones Correo del Orinoco, 2011), logo depois de editado pela República Bolivariana de Venezuela. O estudo mostra a repercussão da doença e do tratamento do câncer que acometeu o presidente Hugo Chávez nas redes sociais, e a influência que estas exerceram na pauta dos meios tradicionais - especialmente o Twitter sobre a mídia impressa daquele país. O que o estudo não aborda é a possível falta de informação oficial, como suposta causa para o surgimento dos rumores que levaram a mídia a tratar até da morte e da sucessão de Chávez.
O governo revolucionário da Venezuela, que não é o nosso referencial de democracia, pode ter errado a mão em dosar a informação pública, bem mais controlada que no Brasil. As pistas para esta hipótese de desinformação, dadas no caso da doença de Chávez, reforçam a tese maior de que a comunicação pública bolivariana sonega informação em nome da estabilidade do governo, braço operacional do Estado, em detrimento do direito à informação da sociedade e até mesmo do mercado. E enseja a reflexão de não lhe bastaria ser socialista ou anti Estados Unidos, melhor talvez ser democrática, republicana e servir de exemplo à América Latina.
O diagnóstico da doença noticiado superficialmente ainda no primeiro semestre talvez já indicasse que nunca se saberiam o local ou a gravidade do tumor. Mesmo hoje, quando o presidente diz ter vencido as células cancerígenas, contra outros rumores de que teria apenas mais dois anos de sobrevida (www.bbc.co.uk), os sites oficiais http://www.presidencia.gob.ve e http://www.avn.info.ve, o blog e o Twitter de Chávez dão o assunto por encerrado. Fico imaginando como seria se o câncer de Lula tivesse sido diagnosticado dez meses antes, quando ele ainda estava no governo...
É bem possível também que o tsunami de rumores que mataram Chávez não tenhas se sustentado apenas na desinformação, mas em sentimentos como a maquiavelice de adversários, na intolerância de segmentos contrariados e nos preconceitos de raça e de classe social que dão o espírito de corpo aos oposicionistas do presidente venezuelano. Certo mesmo é que, mais ou menos intencionais, mais ou menos maldosos, os rumores não foram – e não são – obras do acaso, e encontraram campo fértil – como encontram – no descaso do governo.
No caso Chávez, especificamente, os rumores que circularam nas redes ou banalizaram a doença ou a superdimensionaram. Para informar que o presidente não deveria ser tratada fora da Venezuela, por exemplo, ou para sugerir que ele não escaparia mesmo se tratando em Cuba. As poucas informações oficiais e informações geradas fora do governo foram interpretadas por tuiteiros boateiros de forma a dar ênfase a aspectos menos positivos, como a necessidade de se ausentar do país, ou a suprimir aspectos mais positivos do caso, como o fato de a ausência do presidente não haver causado uma crise institucional.
A partir das mídias sociais, temas foram agendados nos meios tradicionais, notícias ganharam manchete sem que fossem verdade. Foi a primeira experiência mais contundente na Venezuela chavista de embate entre a informação controlada do governo revolucionário e a revolução incontrolável da notícia. Se pode ter sido a última? Não sei. No vizinho de baixo do Balança-Mas-Não-Cai latino, pelo caminho da comunicação pública democrática, Cristina reeleita diz abertamente que está doente e oferece informações. Se ela vai ter cura? Não sei. Chávez diz abertamente que está curado e sonega informações. Se ele vai ser reeleito? Não sei.
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