Sonho que as crianças, do mundo todo, possam dormir quentinhas, com suas barriguinhas cheias, longe de toda e qualquer agressão física, sexual, moral ou intelectual e que todas possam usufruir das alegrias de uma infância linda e protegida. Sonho que tenham um futuro maravilhoso. Não só as crianças de hoje, mas também seus filhos, os filhos de seus filhos e também os filhos destes. Sonho com um planeta protegido, com medidas que eliminem a cobiça que destrói nosso porvir!

sábado, 25 de dezembro de 2010

O hóspede mais procurado do mundo (ou: como Assange foi à polícia)

Natália Viana: Traduzi livremente o texto escrito pelo jornalista britânico Vaughan Smith, fundador do Frontline Club, que tem hospedado Julian Assange na sua mansão, no interior da Inglaterra. Nele, Vaughan relata os momentos antes de Julian se apresentar à polícia. Leia aqui a íntegra em inglês.
É tarde da noite. A tela do computador escurece periodicamente e Sue, uma amiga, fica batendo no teclado para mantê-la ligada, o que ilumina os seus rostos. Julian está imóvel, a não ser pelo seu pé, que balança de um lado para outro. Lembro de alguém ter me dito que ele sempre faz isso quando está concentrado.
Me sinto um intruso, mas Julian sorri para mim. Ele faz isso: te inclui e faz você sentir que é importante para ele – enquanto a maioria das pessoas teria receios de agir assim.
O Julian está sempre na frente do computador. Imerso e imperturbável. Parece que você poderia chegar vestido de palhaço e ele não repararia. Mas muitas vezes, quando você o saúda enquanto ele digita furiosamente, ele para o que estiver fazendo e te explica os últimos acontecimentos por uma meia hora pelo menos.
Agora a ligação foi encerrada e Julian está parado diante da lareira. A quilômetros de distância. Nós começamos a discutir a ligação. Alguns amigos e apoiadores estão lá também. Julian ainda está quieto, mas está nos ouvindo.
Parece que há outras opções, mas todas elas são frágeis. Julian rejeita uma a uma. Ele não quer dar a impressão de que tem algo a esconder. A polícia britânica disse que está à sua procura, e ele vai se entregar.
Sue e outros amigos começam a discutir como será o pronunciamento oficial. Pego a minha câmera e começo a organizar a logística. Não trabalho para o WikiLeaks, mas nesse momento sou envolvido nisso. A polícia deu um prazo menor que o esperado e ele não pode se atrasar.
Mas Julian senta-se no sofá. Se deita. E dorme. Ele está acordado há 48 horas. Ficamos sem filmar pronunciamento nenhum.
Dali a pouco, já é de manhã. Ele tem que estar na delegacia às 9 horas, mas o advogado Mark e os seus colegas da equipe que faz a sua defesa têm que encontrá-lo às 7 horas.
Sue e Jeremy estão lutando para tirá-lo de casa e tentam manter o bom humor dizendo que ele nunca chega na hora a nenhum compromisso.
Estamos exaustos, e eu vejo que a Sue está segurando as lágrimas enquanto leva o Julian para dentro do carro. Nós três saímos e os outros esperam que voltemos todos, naquela mesma noite.
Quando chegamos à casa do Mark, ainda está escuro. Vejo um fotógrafo tirando sua câmera do porta-malas do carro quando tentamos estacionar, e então seguimos em frente. Ele bem que merecia essa foto por ter se levantado tão cedo numa manhã fria para ficar na porta da casa do advogado de Julian – mas não vai conseguir.
Encontramos Mark em uma lanchonete vagabunda lá perto e tomamos café em um salão afastado da rua. Julian está com fome, já que não jantou na noite anterior. Mark começa diretamente a discutir o caso: a polícia decidiu mudar o endereço da delegacia onde Julian deve se apresentar.
O jeito do Mark é sério mas reconfortante, e eu vejo que Julian e Sue estão sentindo a pressão. Sue sai para fumar mais um cigarro.
Jennifer, que também é do escritório de Mark, nos encontra e dirigimos até a Delegacia de Kentish Town. Sue dirige, Mark fala ao celular e todos tentam ficar quietos durante a viagem.
Julian está no banco traseiro, entre Mark e Jennifer, escrevendo um pronunciamento oficial no seu computador. Eu vejo de novo a luz da tela iluminando seus rosto, e depois de um tempo percebo que a tela se apagou. Mas Julian não liga de novo. Ele olha para mim, eu olho para o outro lado, sentindo uma enorme solidariedade. O pronunciamento ainda não está terminado quando chegamos à delegacia.
Ali, passamos por um portão azul imponente e policiais e uniformizados rodeiam o carro. Mark e Julian saem e eu observo enquanto Sue tenta estacionar em uma vaga absurdamente pequena. Eu me sinto intimidado pela brutalidade que esse lugar maldito exala de cada estrutura e de cada pessoa. Já visitei delegacias, mas nunca me senti tão desconfortável como agora.
Nos juntamos a Julian e Mark enquanto um policial lê as quatro acusações da justiça sueca. Mas eu não estou ouvindo. De onde estou, posso ver o rosto de Julian enquanto ele ouve as acusações. Eu admiro sua coragem. Ele sabe melhor que ninguém que ele puxou esse gatilho muito tempo atrás. Ou melhor, girou a chave que abre o baú. Os vazamentos são irrefreáveis, aconteça o que acontecer com ele.
O Julian é diferente da maioria de nós. Ele é esperto e obsessivo, mas também divertido e auto-irônico. Mas ele iniciou algo sísmico e inevitável, uma consequência das comunicações modernas que não pode ser contida. Um dia talvez teremos melhores governos como resultado. Até lá, a vingança das autoridades só mostra fraqueza, e não ajuda em nada quando o que estamos lidando é um desafio do nosso tempo.
Eu decidi ali, naquele lugar horrível, que nunca iria abandoná-lo. Não se tratava mais de estar o WikiLeaks certo ou errado, para o bem ou para o mal. Tratava-se de enfrentar a questão de se o nosso país, nesses tempos de retórica, realmente era o lugar de tolerância e independência e liberdade que eu cresci acreditando ser. Se para lutar por esse país nós teremos de lutar por esses princípios fundamentais, então eu me alisto nas fileiras dessa batalha.

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