Estimados leitores, cumpri com o meu ritual de renovação do meu visto porto-alegrense retornando à cidade na semana passada. E voltar até aí é sempre a mesma mistura de banzo sem solução com um olhar atento para tudo, comparando o que a cidade tem, com o que vejo nessas andanças por muitos lados, além de riachos que nos separem do mundo, como o Ipiranga, o Mampituba ou o Atlântico.
Nessa chegada, a primeira coisa que me chamou a atenção, entortando o pescoço até o limite da cervical, foi que a Vila Dique continuava ali sob o avião. Opa: não era para ter saído? Não existe uma grave questão que prejudica a cidade, o estado, que é termos uma pista de aeroporto de apenas 2.200 m, impedindo aviões maiores de sair com carga total e encarecendo os fretes? Não era uma questão estratégica resolver esse problema, além da questão humana de dar um jeito na Vila Dique? Eu estive lá, há anos, visitando uma escola, e alguns alunos não vieram ao encontro por não terem roupa, e não acho que eles estivessem falando de roupa arrumada. Espero todo esse tempo por uma solução digna para algo tão indigno, e que ainda nos permita ter um aeroporto com pista decente. Não arrumaram? Não deram um jeito?
Porque uma cidade é do tamanho dos jeitos que a gente dá pra elas, estimados leitores. Nessa semana, por exemplo, fui ver a maravilhosa sinfônica de SP tocar na maravilhosa Sala São Paulo, onde ela se apresenta. E pensei na OSPA. Eu cresci indo ver a OSPA, domingos e terças e não entendo como Porto Alegre pode viver sem um lugar para a sua sinfônica. São Paulo pode dar jeito nisso, mas Porto Alegre não pode? Desde quando? Como éramos capazes de dar um jeito no Theatro São Pedro láaaa em 1860, mais ou menos. Pioramos, desde então?
O problema é dinheiro? Pois observando atentamente a minha cidade, eu vi que não há placas nas esquinas. Sabem placas de esquina? Certamente temos esquinas, muitas. Temos ruas, e elas têm nomes. Então cadê as placas nas esquinas contendo os nomes das ruas? Uma cidade sem placas nas esquinas é uma cidade que se leva a sério?
Senhor prefeito de Porto Alegre, onde quer que o senhor esteja. São Paulo tem 22 mil quilômetros de ruas e acha normal ter placas nas esquinas. Em TODAS as esquinas. A minha Porto Alegre, que o senhor alega governar, não pode ter? Como o senhor pode dormir à noite sabendo que a cidade não tem pista de aeroporto nem placas nas esquinas? Se até Curitiba, que nem tem esquinas, pode ter placas nas esquinas, como o senhor dorme à noite enquanto Porto Alegre não as tem? Pode acordar e explicar, por favor?
Já em outros itens a cidade vai dando os seus jeitos. Vi lugares novos, bares, restaurantes, bem legais. Conheci o Bier Markt, sensacional para quem gosta de cerveja de verdade, coisa aliás escassa aqui no Norte onde eu vivo, provando que cerveja tem jeito, na cidade. Pude curtir o pão com manteiga da melhor padaria que eu conheço no Brasil, Barbarella. Não deu tempo de provar o melhor mil-folhas, de bergamota, no Patissier. Pude olhar para o Guaíba sob o céu azul, e o banzo atingiu limites quase insuportáveis; deu para passar no Iberê Camargo, o que sempre enche o peito de um sentimento que seria pecaminoso, se eu acreditasse nessas coisas. Vi um varejo com jeito de século 21 tomando forma, o que é bastante bom, e vi muita gente na rua, em uma noite de começo de semana. Porto Alegre tem o menor desemprego em área metropolitana no Brasil, eu li, e isso começa a aparecer.
Não vi polícia na rua, como vejo aqui, vi uma grande festa do Inter na noite anterior a viagem para Abu Dhabi, talvez o clube do Brasil que melhor constrói a relação com sua comunidade, hoje (e quem admite é um gremista de quatro costados). Sofri com os nossos péssimos táxis, e, infelizmente, taxistas bastante pouco animados com o decoro profissional. Quem foi que disse que a gente merece nada mais do que aqueles Corsas sedãs, que são pequenos, minha gente? Ouvi comentários e piadas dos motoristas que avermelharam os ouvidos nada puritanos desse neto da Jovita, e paguei caro para andar em um taxi que parecia ter um estado pulmonar pior do que o meu, e eu moro em São Paulo!!!
Penso no que a cidade pode ser, com um plano estratégico à altura de suas possibilidades, de um novo uso para o porto, para a Mauá, que removesse aqueles horrendos prédios-garagem, e nos desse algo onde morar diante do rio. Penso em um centro vivo e bonito, numa Praça da Alfândega renovada e de volta para as pessoas, penso em uma nova Feira do Livro e, radicalizando, em uma cidade com placas nas esquinas.
Não é fácil criar uma cidade digna das aspirações de uma Porto Alegre, mas é muito, muito mais fácil de se fazer isso quando a cidade em questão é uma Porto Alegre, não? Penso nisso enquanto o avião me traz de volta para a cidade com céu cinza e placas nas esquinas onde vivo, e penso que tudo que eu quero é um jeito aí, porque se tem uma coisa que todo ser vivo precisa ter é um lugar para onde voltar, de onde quer que se encontre, de onde quer que a vida tenha levado, e de onde sempre, sempre mesmo, se volta.
* Jornalista e escritor - Fonte: Sul21
Nessa chegada, a primeira coisa que me chamou a atenção, entortando o pescoço até o limite da cervical, foi que a Vila Dique continuava ali sob o avião. Opa: não era para ter saído? Não existe uma grave questão que prejudica a cidade, o estado, que é termos uma pista de aeroporto de apenas 2.200 m, impedindo aviões maiores de sair com carga total e encarecendo os fretes? Não era uma questão estratégica resolver esse problema, além da questão humana de dar um jeito na Vila Dique? Eu estive lá, há anos, visitando uma escola, e alguns alunos não vieram ao encontro por não terem roupa, e não acho que eles estivessem falando de roupa arrumada. Espero todo esse tempo por uma solução digna para algo tão indigno, e que ainda nos permita ter um aeroporto com pista decente. Não arrumaram? Não deram um jeito?
Porque uma cidade é do tamanho dos jeitos que a gente dá pra elas, estimados leitores. Nessa semana, por exemplo, fui ver a maravilhosa sinfônica de SP tocar na maravilhosa Sala São Paulo, onde ela se apresenta. E pensei na OSPA. Eu cresci indo ver a OSPA, domingos e terças e não entendo como Porto Alegre pode viver sem um lugar para a sua sinfônica. São Paulo pode dar jeito nisso, mas Porto Alegre não pode? Desde quando? Como éramos capazes de dar um jeito no Theatro São Pedro láaaa em 1860, mais ou menos. Pioramos, desde então?
O problema é dinheiro? Pois observando atentamente a minha cidade, eu vi que não há placas nas esquinas. Sabem placas de esquina? Certamente temos esquinas, muitas. Temos ruas, e elas têm nomes. Então cadê as placas nas esquinas contendo os nomes das ruas? Uma cidade sem placas nas esquinas é uma cidade que se leva a sério?
Senhor prefeito de Porto Alegre, onde quer que o senhor esteja. São Paulo tem 22 mil quilômetros de ruas e acha normal ter placas nas esquinas. Em TODAS as esquinas. A minha Porto Alegre, que o senhor alega governar, não pode ter? Como o senhor pode dormir à noite sabendo que a cidade não tem pista de aeroporto nem placas nas esquinas? Se até Curitiba, que nem tem esquinas, pode ter placas nas esquinas, como o senhor dorme à noite enquanto Porto Alegre não as tem? Pode acordar e explicar, por favor?
Já em outros itens a cidade vai dando os seus jeitos. Vi lugares novos, bares, restaurantes, bem legais. Conheci o Bier Markt, sensacional para quem gosta de cerveja de verdade, coisa aliás escassa aqui no Norte onde eu vivo, provando que cerveja tem jeito, na cidade. Pude curtir o pão com manteiga da melhor padaria que eu conheço no Brasil, Barbarella. Não deu tempo de provar o melhor mil-folhas, de bergamota, no Patissier. Pude olhar para o Guaíba sob o céu azul, e o banzo atingiu limites quase insuportáveis; deu para passar no Iberê Camargo, o que sempre enche o peito de um sentimento que seria pecaminoso, se eu acreditasse nessas coisas. Vi um varejo com jeito de século 21 tomando forma, o que é bastante bom, e vi muita gente na rua, em uma noite de começo de semana. Porto Alegre tem o menor desemprego em área metropolitana no Brasil, eu li, e isso começa a aparecer.
Não vi polícia na rua, como vejo aqui, vi uma grande festa do Inter na noite anterior a viagem para Abu Dhabi, talvez o clube do Brasil que melhor constrói a relação com sua comunidade, hoje (e quem admite é um gremista de quatro costados). Sofri com os nossos péssimos táxis, e, infelizmente, taxistas bastante pouco animados com o decoro profissional. Quem foi que disse que a gente merece nada mais do que aqueles Corsas sedãs, que são pequenos, minha gente? Ouvi comentários e piadas dos motoristas que avermelharam os ouvidos nada puritanos desse neto da Jovita, e paguei caro para andar em um taxi que parecia ter um estado pulmonar pior do que o meu, e eu moro em São Paulo!!!
Penso no que a cidade pode ser, com um plano estratégico à altura de suas possibilidades, de um novo uso para o porto, para a Mauá, que removesse aqueles horrendos prédios-garagem, e nos desse algo onde morar diante do rio. Penso em um centro vivo e bonito, numa Praça da Alfândega renovada e de volta para as pessoas, penso em uma nova Feira do Livro e, radicalizando, em uma cidade com placas nas esquinas.
Não é fácil criar uma cidade digna das aspirações de uma Porto Alegre, mas é muito, muito mais fácil de se fazer isso quando a cidade em questão é uma Porto Alegre, não? Penso nisso enquanto o avião me traz de volta para a cidade com céu cinza e placas nas esquinas onde vivo, e penso que tudo que eu quero é um jeito aí, porque se tem uma coisa que todo ser vivo precisa ter é um lugar para onde voltar, de onde quer que se encontre, de onde quer que a vida tenha levado, e de onde sempre, sempre mesmo, se volta.
* Jornalista e escritor - Fonte: Sul21
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